Naquele troço infelizmente não existe qualquer sistema que "obrigue" o comboio a reduzir a velocidade.
O que falhou em Santiago de CompostelaPart of João Cunha's adventure in Comboios | Tags: Acidente, Renfe, Talgo Fomos todos atropelados pelo horrÃvel acidente de Santiago de Compostela, onde 80 pessoas perderam a vida a bordo de uma moderna composição Talgo rolando sobre uma moderna via ferroviária. A violência do impacto e os danos humanos provocados são muito superiores a outros acidentes graves, desde logo o grave acidente de Bretigny, em França, há alguns dias atrás. AÃ, um comboio de passageiros com cerca de 30 anos de vida, descarrilou a 140 km/h e embateu na estação, provocando 4 mortos. Um dano 95% inferior ao acidente de Santiago de Compostela. O que é claro deste acidente: •A curva onde se deu o acidente está limitada a 80 km/h; •O comboio seguia a 190 km/h; •Toda a composição descarrilou, mas como é visÃvel no vÃdeo do acidente, não foi à frente que a composição começou a descarrilar (unidade motora e furgão gerador, visto tratar-se de uma unidade hÃbrida eléctrica + diesel), mas sim nas carruagens. O sistema de sinalização e porque não evitou o acidente Contrariamente aos sistemas instalados em Portugal, Espanha não tem, fora das linhas de alta velocidade, sistemas de controlo de velocidade e de sinalização que obriguem os comboios a circular a determinada velocidade imposta pelo traçado. O sistema espanhol, o já famoso ASFA, apenas controla a velocidade que é determinada por sinalização. Por exemplo, se um comboio apanhar sinal verde (foi o caso deste acidentado), o sistema não regista qualquer limitação de velocidade. Mesmo em aspectos restritivos, como o amarelo, o sistema pode impor uma velocidade de circulação superior à velocidade de traçado (imaginemos 60km/h para um sinal amarelo, numa secção de via onde o traçado impõe apenas 30 km/h). No local do acidente, a via tecnicamente não é já de alta velocidade, embora tenha sido construÃda do zero. O ERTMS, sistema de sinalização instalado entre Ourense e Santiago e que de facto controla sinalização e velocidade do traçado, já tinha ficado para trás, e o comboio circulava apenas com ASFA. O ASFA só controla a velocidade se esta for superior a 200 km/h, que é a limitação do sistema. Para baixo disso, qualquer velocidade é possÃvel se estiver verde. Exigia-se, portanto, que o maquinista reduzisse a velocidade como lhe é indicado quer na sinalização vertical presente ao lado da linha, quer na folha de marcha. Em Espanha, o horário técnico que o maquinista tem é que determina as velocidades aplicáveis a cada troço. Claramente ignorou, pois não há registos de que tenha sido uma falha de frenagem do comboio. Em Espanha, na prática, um maquinista pode descarrilar todo e qualquer comboio – basta querer. Esta questão pode ser menosprezada se pensarmos que um maquinista tem de cumprir a regulamentação que jurou cumprir, mas no século XXI a redundância obriga a não se deixar esta questão ao arbÃtrio dos maquinistas. É impensável na Europa Ocidental que, em eixos com comboios rápidos e/ou saturados, não hajam sistemas de controlo da velocidade que impeçam este livre arbÃtrio. Em Espanha, já houve vários acidentes similares. Um dos mais notados, e que já há muitos anos tinha assinalado as deficiências do ASFA, foi do Diurno Vigo – Bilbao, que descarrilou numa estação por excesso de velocidade à passagem por uma agulha que o levava para uma via desviada. O motivo? O maquinista não percebeu que ia para uma via desviada em vez de passar pela linha directa, e o sistema não assumiu a velocidade determinada pela posição da agulha, assumiu apenas a velocidade do sinal. Sete pessoas morreram. Outro notado acidente por causas similares foi o do Metro de Valencia, onde um comboio tentou fazer uma curva ao dobro da velocidade permitida, num túnel também sem qualquer controlo de velocidade. Mais de 40 pessoas perderam a vida. Em Portugal, um acidente destes seria completamente impensável. Todos os eixos movimentados e/ou com comboios capazes de circular a velocidades elevadas têm o sistema CONVEL em serviço. Este serviço intercepta a velocidade determinada em cada troço pela via e pela sinalização, e obriga o maquinista a agir para ajustar a velocidade, desenhando uma curva de frenagem que o maquinista deve ou respeitar ou até ultrapassar (fazer uma frenagem maior). Basta que a frenagem esteja a ser menos intensa do que devia (nem é preciso que o maquinista não tome acção, note-se), e o comboio é imediatamente parado pelo sistema, com uma frenagem máxima de serviço. Salta ainda à vista outro pormenor no acidente Espanhol que deve fazer reflectir. A concepção dos comboios Talgo sempre pareceu duvidosa em caso de acidentes. São incontáveis os acidentes com Talgo onde o número de perdas humanas parece descabido por comparação com outros acidentes similares ocorridos com outro material circulante mais “convencionalâ€. Apesar das circunstâncias do acidente (nomeadamente o talude), é estranho ver um comboio articulado (ou seja, onde duas caixas/carruagens assentam num mesmo bogie ou eixo, como é o caso dos Talgos ou dos TGV) desfazer-se todo. Os comboios articulados têm precisamente a caracterÃstica de oferecerem mais segurança em caso de impacto e de ficarem mais inteiriços, mas no caso dos Talgos normalmente sucede que o comboio fica até mais desfeito do que carruagens normais, não articuladas. Para referência a este nÃvel, a 21 de Dezembro de 1993 o TGV francês estabeleceu o record mundial de velocidade para um descarrilamento, ao descarrilar a 297 km/h no norte de França, devido a um abatimento na plataforma de via. A concepção articulada do comboio permitiu ao comboio manter-se direito e não sair sequer da plataforma de via. No final, apenas um passageiro ficou ferido e um outro recebeu tratamento por ter ficado em estado de choque. O Talgo, como se viu, desintegrou-se ainda antes de embater no talude. A diferença enorme de massas que existe entre as pequenas carruagens e o furgão gerador (albergando um potente motor diesel, incorporado a partir de 2012) e a cabeça motora (com 70 toneladas, cada), pode ser decisivo para isto. Espanha tem investido dezenas de milhar de milhões de Euros nos últimos anos para construir novas linhas de altas performances (umas mistas, outras AV pura para passageiros), mas continua a ter regulamentação frágil, sistemas de segurança desajustados das linhas em que existem (até se admite um sistema simples como o ASFA, mas em linhas com velocidades sempre baixas e com material motor de baixas prestações…) e material cuja concepção continua a não convencer. Não será por acaso que, para homologação dos parâmetros de segurança por parte do exigente quadro regulamentar francês, a Espanha optou por enviar para lá material TGV que adquiriu há cerca de 20 anos, quando as relações internacionais de prestÃgio que agora são operadas entre os dois paÃses poderiam, da Renfe, merecer o material considerado como a jóia da coroa – os seus Talgos. Acaso ou não, a Renfe nem tentou homologar por lá a jóia da coroa…